Atingidas de Mariana pedem suspensão imediata de Repactuação no STF para serem ouvidas: ‘são 9 anos de revolta’
Data: 05/11/2024 - Autor: Revida Mariana
Nesta terça-feira, 5 de novembro, completam-se nove anos da tragédia do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que deixou 19 mortos, devastou comunidades e gerou um impacto ambiental sem precedentes na Bacia do Rio Doce. Em memória da data e frente ao novo acordo de Repactuação conduzido por mineradoras e autoridades, quatro mulheres atingidas pela tragédia entraram com uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF) para denunciar, mais uma vez, a falta de participação popular no processo de reparação. Elas pedem suspensão imediata do novo acordo.
“Como não tivemos acesso aos detalhes do acordo, eu e meu advogado achamos melhor entrar com uma petição no STF para fazer essa solicitação e mostrar para eles que a gente precisa ser ouvido. Da forma que o texto está (no acordo), ele não beneficia os atingidos e sim a mineração, as próprias mineradoras assassinas. Elas cometeram um crime que vem se renovando a cada dia”, disse Mônica Santos, uma das atingidas. No final de setembro, ela e Pâmela Rayane, Thatiele Monic e Simone Silva recorreram ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) para pedir, em caráter de urgência, a suspensão do acordo de repactuação até que os atingidos fossem ouvidos.
Até esta terça-feira, nenhum dos quatro mandados de segurança haviam sido analisados, o que evidenciou o “jogo de empurra” da Justiça. Por causa disso, no último sábado (2), o advogado das quatro atingidas, Bernardo Campomizzi, entrou com uma petição no STF para pedir a suspensão imediata dos trabalhos da Mesa de Repactuação, até que as medidas liminares pleiteadas nos mandados de segurança sejam analisadas pela Justiça. A petição também solicita uma audiência com as atingidas perante o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL) do STF, a fim de que elas possam se manifestar sobre os termos da Repactuação.
Outras petições
Assim como as quatro atingidas, a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) também encaminharam ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma petição que questiona o Acordo de Repactuação Rio Doce, criticando a exclusão dos atingidos das negociações. Eles pedem que o STF respeite o direito de participação previsto na Política Nacional e Estadual de Atingidos por Barragens e na Convenção nº 169 da OIT.
As organizações questionam cláusulas que obrigam os atingidos a abrirem mão de buscar justiça futura e solicitam a revisão dos critérios de indenização para trabalhadores informais e comunidades tradicionais. De acordo com o MAB, o acordo falha ao não reconhecer territórios afetados no Espírito Santo e sul da Bahia. A petição também reivindica que o acordo inclua todas as comunidades certificadas e auto-reconhecidas, além de mecanismos de fiscalização das decisões de indenização.
Outro ponto crucial é o pedido de um Comitê Local para fiscalizar a implementação do acordo, garantindo transparência. O MAB vê a petição como uma forma de pressionar por justiça e assegurar que a reparação seja abrangente e justa, especialmente para aqueles sem documentação formal. A petição da ANAB e MAB foi protocolada na segunda-feira (4).
Já no último dia 30 de outubro, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, recebeu outra petição de duas associações de consumidores que se dizem excluídas das negociações do recente acordo de reparações sobre o crime de Mariana. A Associação Nacional de Defesa do Consumidor e a Associação Nacional dos Consumidores de Água e Vítimas do Uso do Tanfloc questionam o acordo de R$ 176 bilhões, a ser pago por BHP e Vale, e pedem a continuidade de uma ação civil pública que poderá ser extinta com a homologação do acordo.
As entidades afirmam que não foram consultadas sobre o uso do Tanfloc, produto aplicado pela Samarco nas águas do Rio Doce após o desastre para tratar a contaminação. Esse produto, contendo formol, teria sido usado em dosagens acima do permitido, afetando potencialmente a saúde de mais de 600 mil moradores de 12 cidades.
‘9 anos de revolta’
Nove anos de espera e o tão esperado acordo de Repactuação frustrou mais uma vez as expectativas dos atingidos. Famílias que perderam tudo e seguem em luto quase uma década após crime socioambiental cometido pela BHP Billiton, Vale e Samarco. “Olha, é muito difícil falar sobre o dia 5. Mais difícil ainda depois da cerimônia de assinatura do acordo da repactuação. Para mim ficou muito claro que as pessoas que morreram continuam sem valor, que os atingidos continuam sem valor. O que tem valido e que continua prevalecendo é a ganância, o poder, o dinheiro sempre falando mais alto”, desabafou Mônica Santos.
Para ela, a dor e a luta continuam. “São 9 anos de tristeza, de revolta. As pessoas estão morrendo sem serem indenizadas, sem serem reassentadas. Até hoje a casa da minha mãe não está pronta. Ela começou a ser construída há três, quatro meses, e está cheia de problemas. Nós não fomos indenizados. A minha tia até hoje não tem projeto da casa, e vários outros moradores sequer têm o terreno. Então, os nove anos para mim têm representado revolta, angústia e incerteza”, disse.
A petição protocolada no STF em nome dela e das outras três atingidas representa mais uma tentativa de buscar Justiça para as verdadeiras vítimas desse crime socioambiental, mas a incerteza persiste. “A gente não sabe o que vem pela frente. São 9 anos de revolta, 9 anos de angústia, 9 anos de perdas, 9 anos de direitos sendo violados, 9 anos com essa mineração predatória, essa mineração que mata”, concluiu Mônica.