Carta aberta ao presidente Lula: veja documento entregue pelo MAB na íntegra
Data: 07/08/2024 - Autor: Revida Mariana
Nesta quarta-feira (7), durante protestos em Brasília, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Revida Mariana entregaram uma carta ao presidente Lula que manifesta o repúdio das vítimas da tragédia em Mariana (MG) ao valor proposto pelas mineradoras BHP e Samarco para indenizações e reparações, considerado insuficiente pelo movimento.
Além disso, o MAB e o Revida Mariana solicitaram, por meio da carta, uma audiência para apresentar as preocupações e propostas que visam garantir um processo inclusivo para os atingidos e a responsabilização das mineradoras. Veja abaixo o documento na íntegra:
Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) solicita que o Governo Federal não aceite a proposta apresentada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton na Mesa da Repactuação Rio Doce e solicita uma audiência para apresentar nossas preocupações e propostas que visam um processo que garanta a participação dos atingidos e respeite a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) com inteira responsabilização das mineradoras.
Os valores apresentados pelas empresas, que buscam um acordo global de, aproximadamente, de R$100 bilhões, não serão suficientes para garantir uma reparação integral e justa a todas as famílias atingidas, ou seja, pretendem repassar para o governo federal a obrigação de resolver os problemas não solucionados. Há muito tempo o MAB denuncia que, se comparado ao acordo feito pela Vale em Brumadinho, o valor do acordo de Mariana deveria ser, no mínimo, de R$ 500 bilhões. No exterior, os atingidos estão processando a BHP em busca de indenizações e a conta certamente será muito maior.
Portanto, os valores debatidos nas negociações da Repactuação – cerca de R$ 100 bilhões a serem pagos ainda em 20 anos – são totalmente insuficientes para a reparação dos danos individuais, das compensações coletivas, da recuperação do meio ambiente, tampouco da inclusão de áreas atingidas que nunca foram reconhecidas pelas empresas. É o caso do Sul da Bahia e algumas regiões do litoral capixaba.
Na prática, se comparado com o lucro líquido somente da Vale em 2023, durante 20 anos, o crime custará pouco mais de 10% do lucro de apenas uma das empresas envolvidas. Nestes termos, fica evidente que o crime compensa e que o acordo nos termos que se apresenta é apenas de interesse das mineradoras. Defendemos que um acordo coerente deve considerar a centralidade das vítimas e sua reparação integral, não os interesses especulativos e imediatistas de quem há anos segue impune pelos seus crimes. O legado destes prejuízos ficará para os governos resolverem. Quem pagará a conta? Os atingidos? De onde sairá o dinheiro que faltará para garantir a reparação?
Além do imenso prejuízo para o governo federal e para os atingidos, este acordo será um mau exemplo internacional visto que todas as negociações estão ocorrendo a portas fechadas, coordenadas pelo judiciário brasileiro que nega a participação dos atingidos e mantém os documentos em sigilo. Estamos sendo excluídos dos debates no Brasil e ainda tentam nos impedir de buscar justiça nos países de origem das mineradoras.
Nas últimas semanas, a justiça do Reino Unido revelou que a BHP Billiton incentivou o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que municípios movam ações de reparação de danos em cortes estrangeiras. A mineradora concordou em pagar R$ 6 milhões ao IBRAM para tentar calar a voz de dezenas de municípios.
Enquanto isso, BHP e a Vale comemoram recordes de produtividade e distribuem bilhões de reais a acionistas, ano após ano. Lucro que não é utilizado para garantir o mínimo necessário para a reparação: água limpa, tratamento para os crescentes problemas de saúde e indenização justa pelas perdas econômicas, culturais, ambientais e sociais causadas pelo rompimento.
Presidente Lula, a forma como este acordo se encaminha ocorre na contramão ao espírito de reconstrução e união do país, tendo a participação social como um de seus pilares. Somos mais de 1 milhão de atingidos que depositam suas esperanças em busca do que nos foi negado. Não permita que o judiciário, os governos e as instituições de justiça fechem um acordo que decide o futuro de milhares de pessoas sem sequer consultar as vítimas do processo, atingidas e atingidos. Não permita que cometam mais uma violência contra quem já perdeu muito, menos a esperança.
É hora de fazer a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) ser a referência para um acordo justo. Assim, o Brasil pode construir um exemplo internacional a ser apresentado no encontro do G20, no Rio de Janeiro, no mês que marcará os 9 anos do rompimento, e na Conferência do Clima (COP 30), que acontece em novembro de 2025, mês que completa 10 anos do crime do rompimento em Mariana. Uma oportunidade histórica de fazer justiça e mostrar para o mundo como tratar crimes socioambientais para garantir os direitos dos atingidos e a reparação ambiental.
Presidente Lula, diante de tamanho desafio e possibilidades, o MAB solicita uma audiência com Vossa Excelência para apresentar nossas propostas, fruto da experiência de mais de 30 anos de atuação no Brasil e quase 9 anos de lutas do povo atingido na Bacia do Rio Doce e litoral capixaba. Reafirmamos o compromisso com um acordo justo e com participação popular, que amplie direitos e busque a verdadeira reparação integral pelo crime socioambiental em Mariana.
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Bacia do Rio Doce – 7 de agosto de 2024