Julgamento internacional do desastre de Mariana renova esperança dos atingidos: ‘Vamos mostrar ao mundo que foi um crime’
Data: 21/09/2024 - Autor: Revida Mariana
A 30 dias do julgamento em Londres, as vítimas do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), vivem a expectativa de finalmente alcançarem justiça e uma reparação digna pelo maior crime socioambiental da história do Brasil. Quase nove anos se passaram desde 5 de novembro de 2015, quando o desastre devastou a vida de mais de um milhão de pessoas, destruiu o Rio Doce e arruinou sonhos, tradições e famílias. As mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton são responsáveis por essa tragédia, fruto da ganância e da negligência, que pesa principalmente sobre aqueles que mais sofrem com as consequências do desastre: o povo.
“Faltam 30 dias para o início do julgamento em Londres e, para os atingidos, esse é um momento de muita esperança. É o marco da busca por justiça. Esperamos que, em Londres, possamos mostrar ao mundo que foi um crime, e que esse crime precisa ser punido”, disse Joceli Andrioli, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Apesar da proximidade do julgamento internacional do caso Mariana, os atingidos enfrentam a frustração diante da possibilidade de um acordo insuficiente ser firmado entre o governo federal e as mineradoras para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão. Esse acordo, alvo de críticas, tem sido contestado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em diversas mobilizações realizadas nos últimos meses em Brasília (DF) e Minas Gerais.
“Neste momento, avança, mediado pelo Poder Judiciário brasileiro, um grande acordo chamado Repactuação do Rio Doce. Tem sido anunciado na imprensa que esse acordo envolve valores aproximados de R$ 100 bilhões, a serem pagos em 20 anos. Na nossa avaliação, esses valores são insuficientes para resolver todos os problemas gerados”, critica Thiago Alves, integrante da coordenação nacional do MAB. “Esse acordo não conta com nenhuma participação dos atingidos. Não sabemos os termos, critérios, prazos ou regras. Provavelmente, seremos surpreendidos com a assinatura de algo que não vai garantir nossos direitos”, denuncia Thiago.
Ele destaca que o julgamento em Londres é uma das maiores ações judiciais em curso no mundo, com mais de 600 mil CPFs, 2.500 CNPJs e mais de 40 municípios atingidos em Minas Gerais e no Espírito Santo, que buscam nas cortes internacionais a justiça que o Brasil não conseguiu garantir. “Esperamos esse julgamento como uma forma, no mínimo, de pressionar a BHP Billiton e gerar um debate internacional sobre a difícil situação que enfrentamos desde 2015”, afirma. “Tudo isso deixa clara a estratégia das empresas para evitar pagar o que devem, com a conivência, infelizmente, do nosso Judiciário, que até hoje não foi capaz de garantir a justiça”, completa Joceli Andrioli, do MAB.
Julgamento em Londres
Em entrevista ao site Migalhas, Ana Carolina Salomão, sócia do Pogust Goodhead, escritório de advocacia que representa as mais de 600 mil vítimas no processo da tragédia de Mariana, falou sobre a expectativa do julgamento no Reino Unido. “Independentemente do resultado final, esta será a primeira vez que os executivos da BHP serão confrontados sobre suas ações, e nossos clientes, que são testemunhas no processo, terão a chance de serem ouvidos”, disse ao site.
O julgamento no Reino Unido está marcado para começar em 21 de outubro deste ano, com previsão de durar até fevereiro ou março de 2025. A Suprema Corte Inglesa já determinou que o Reino Unido é uma jurisdição adequada para tratar do caso. “Com base na legislação processual da União Europeia, vigente na época, e na jurisprudência inglesa, foi possível protocolar a ação no Reino Unido, por ser o domicílio da ré, BHP”, explicou Ana Carolina Salomão. Em caso de condenação, Vale e BHP Billiton dividirão igualmente os valores a serem pagos, conforme acordo firmado recentemente entre as mineradoras.
Comunidades inteiras aguardam esse julgamento. Povos indígenas, como os Krenak e Pataxó, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras, mulheres chefes de família, além de toda a sociedade brasileira, clamam por uma punição justa e por indenizações que realmente reparem os danos materiais, culturais e psicológicos sofridos. “As consequências ainda são visíveis a olho nu, nove anos depois. Estamos falando de comunidades devastadas, como Bento Rodrigues, que nunca mais foram as mesmas, e de povos indígenas cuja relação com o Rio Doce, um elemento central de suas culturas, foi completamente rompida”, disse Ana Carolina Salomão.
Confira aqui a entrevista da advogada, do Pogust Goodhead, na íntegra: