Pescadores atingidos pela tragédia em Mariana relembram perdas e fazem apelo: ‘Quero meu rio limpo de volta’
Data: 27/08/2024 - Autor: Revida Mariana
“Sempre voltávamos com peixe garantido e vendido. Hoje em dia acabou. Falou que é peixe de Itaúnas, ninguém quer comprar”. A fala é do pescador Fabrício Caldeira, da Vila de Itaúnas, município de Conceição da Barra, Espírito Santo. Quase nove anos após o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), Fabrício já perdeu a esperança de retomar a rotina intensa de pesca, assim como acontecia antes da tragédia que contaminou quilômetros de afluentes e matou o Rio Doce.
Foram mais de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro despejados ao longo de 663 quilômetros de afluentes, e que alcançaram o oceano Atlântico. Toda a destruição ambiental causada pela tragédia impactou diretamente a vida de milhares de famílias dos municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, principalmente. A morte de peixes, moluscos, crustáceos, além de micro-organismos e outros seres vivos, afetou a cadeia alimentar dos rios e do mar.
Um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em parceria com a Fiocruz e outras entidades, atestou a contaminação por metais em peixes do estuário do Rio Doce, cinco anos após o rompimento da Barragem de Fundão, que ocorreu em 2015. Em Linhares, norte do Espírito Santo, foram coletados peixes comestíveis que apresentavam níveis de arsênio, cádmio, cromo, cobre, mercúrio, manganês, chumbo, selênio e zinco acima dos limites permitidos para consumo humano.
Nesse mesmo período, as concentrações de cádmio, cromo, chumbo e zinco nos sedimentos do estuário estavam de dez a 350 vezes maiores do que antes do desastre.
Repactuação sem atingidos
Fabrício conta que pescava diariamente antes da tragédia em Mariana, e que a renda mensal era quatro vezes maior do que a que recebe atualmente. O pescador da Vila de Itaúnas, assim como mais de um milhão de vítimas da tragédia, aguarda uma reparação justa das mineradoras Vale e BHP Billiton, responsáveis pela Samarco, mas questiona a ausência de participação dos atingidos nas mesas de repactuação. “Eu estou com medo da gente não participar dessa mesa e não ser reconhecido à altura que tem que ser. Muitas incertezas mesmo”, lamenta.
Na última semana, os Governos Federal, de MG e do ES, as mineradoras e instituições de justiça se reuniram em Brasília para uma nova rodada de negociações sobre a repactuação. E, mais uma vez, não houve participação popular para garantir os direitos dos atingidos. “Essas empresas estão sendo julgadas lá fora porque o Brasil não conseguiu fazer. Parece que a empresa tem mais poder que a Justiça”, questiona Fabrício.
Assim como ele, o pescador José Alves, de Governador Valadares, Minas Gerais, teme que a mesa de repactuação não consiga atender as reais necessidades dos atingidos. “Nós esperávamos que já tivesse uma reparação, mas com a nossa participação! É muito difícil ficar relembrando tudo isso. Eu perdi tudo, toda minha fonte de renda, e ainda tiveram aqueles que perderam familiares. E dinheiro nenhum paga isso”, afirma.
Após quase nove anos da tragédia, Fabrício e José, assim como milhares de famílias, lutam por justiça. Eles estão entre os mais de 700 mil atingidos que fazem parte da ação coletiva no Tribunal Superior de Londres contra a mineradora BHP Billiton, assim dezenas de municípios. O início do julgamento está previsto para outubro deste ano. “Nós perdemos nossa vida, porque a nossa profissão é o nosso modo de vida. E o que as mineradoras fizeram até hoje por nossas famílias?”, questiona José. “Quero meu rio limpo de volta”, reivindica o pescador.